Por Aldeide Tavares (professora do Pré I – Educação Infantil)

 

Iniciei o ano de 2020 cheia de expectativas. Comecei uma nova jornada no colégio, em um novo espaço e propostas desafiadoras surgiram a frente do nosso trabalho. Logo, as coisas foram se encaixando, nós e os alunos fomos nos tornando pertencentes ao espaço e a rotina se estabelecia naturalmente ao dia a dia. Planejamento pronto, estratégias escolhidas e organizadas para o desenvolvimento das ideias que, até então, seguiam o percurso normal de um ano de trabalho.

De repente, uma reviravolta acontece, me vi diante de uma situação incomum, incerta e cheia de questionamentos por todos os lados. Em um dia estava na escola com os alunos e no outro em casa, em quarentena, precisando reinventar todo o caminho a ser seguido. O quê? Como? Onde? Muitas dúvidas surgiam e os medos chegaram também. Então, parei, refleti e decidi: Vou em frente! Sem medo e com muita força de vontade. Nenhum caminho pode ser tão árduo para aqueles que acreditam de verdade na sua chegada. Devagar e com tranquilidade podemos alcançar nossos objetivos mais complexos.

Cada professora é responsável por planejar e organizar uma área de conhecimento. Eu fiquei com o desafio de desenvolver propostas ligadas à Matemática.

Quando pensamos em Matemática, já imaginamos números e contas, mas ela vai muito além disso, principalmente na Educação Infantil. O explorar, investigar, brincar, o lúdico, fazem parte do contexto de aprendizagem e partilhas. As vivências matemáticas são contextualizadas por um movimento de troca, levantamento de hipóteses, curiosidades, interações com o meio e momentos desafiadores.

Para encontrar novas possibilidades para a prática matemática em ambientes virtuais, alguns aspectos foram motivos de reflexão:

  • As crianças estão em isolamento social: Educação Infantil é a fase da interação, exploração, das descobertas por meio das vivências intensas e que demanda um olhar cuidadoso e específico para a faixa etária. O colocar a mão na massa é parte integrante dessa etapa escolar e da vida de cada indivíduo. As experiências (positivas ou negativas) vivenciadas nesse período serão carregadas ao longo da trajetória acadêmica e pessoal. Logo, é necessário, diante da atual situação, um conjunto de ações que favorecem a continuidade do aprendizado, mas que também caminhe em conjunto com as questões emocionais de cada criança.
  • Afetividade: os vínculos são fundamentais nessa fase. Como mantê-los diante de tudo o que estamos vivendo e da distância imposta a todos?
  • Ludicidade: as brincadeiras, os jogos, contações de histórias, músicas e parlendas fazem parte do contexto e da especificidade da série. O lúdico está presente no universo infantil e dá espaço à criatividade da criança, ao aprendizado mais prazeroso e significativo. Como proporcionar um ambiente tão único a distância? Como fazer da casa de cada criança esse ambiente, sem estar lá?
  • As famílias tiveram que reorganizar sua rotina, se reestruturar de uma hora para outra e agora estão apoiando as crianças durante a realização das propostas enviadas: pensar em atividades que evidenciem o desenvolvimento das habilidades, que deem continuidade ao aprendizado e que, ao mesmo tempo, possam ser de fácil acesso e entendimento para os adultos que estarão ao lado dos alunos durante todo esse período de distanciamento da escola e do acompanhamento docente.
  • O planejamento seria totalmente voltado às tecnologias: como proporcionar um ambiente de aprendizado por meio virtual e sem acompanhamento docente?
  • Quais ferramentas seriam essenciais e auxiliariam o desenvolver das atividades?
  • Matemática e suas especificidades: como desenvolver propostas a distância que favoreçam o aprendizado e envolvam as crianças?
  • Dependência das crianças: por conta da faixa etária, as crianças precisam de auxílio constante para realizar as propostas e atividades, demandando atenção individualizada em muitos momentos.
  • Diversificação das atividades: desenvolver propostas que explorem a criatividade e curiosidade.

Reflexões feitas, hora de colocar a mão na massa. Primeiro, revisitei o planejamento que estava sendo vivenciado na escola e defini quais objetivos trabalharíamos ao longo das semanas de atividades virtuais. Em seguida, foi a hora de colocar a criatividade em prática. Comecei a escolher as propostas e fui dividindo-as pelas semanas que viriam em um arquivo. Isso ajudou a organizar as ideias e verificar o andamento no todo: consegui enxergar um começo, meio e um fim, ou seja, as propostas tinham uma conexão e seguiam uma ordem de pensamento e crescimento nos desafios sugeridos as crianças, bem como no desenvolvimento das habilidades.

Um turbilhão de pensamentos começou a surgir e para as atividades as ideias foram pensadas para mesclar o que estávamos desenvolvendo na escola, buscar alternativas que favoreçam as experiências em casa, nos espaços individuais de cada família e o uso das tecnologias:

  • Resgatar inicialmente o que havíamos desenvolvido em sala de aula com as turmas: observação da mesma obra de arte; partilha das brincadeiras que mais gostaram de realizar com os amigos, apreciação de músicas e parlendas já conhecidas pelos grupos.
  • Trazer novidades: criação de história para trabalhar assuntos e temas específicos – “Os irmãos aventureiros”: irmãos, amigos que adoram aventuras e brincadeiras divertidas. Cada um com sua especificidade e formato, João Quadradão, José Pequeno Triângulo, Círculo Verde Luís, Retângulo Grande da Silva. Em cada período do dia, manhã, tarde e noite, eles realizam atividades diferentes em sua rotina.
  • Uso da plataforma Matific: os jogos foram pensados para caminharem juntos as propostas desenvolvidas, os temas de cada jogo escolhido semanalmente contemplam os objetivos de aprendizagem e seguem uma ordem de ampliação dos desafios;
  • Exploração dos espaços disponíveis: como a caça aos objetos pela casa, medir as pessoas da família, usar as mãos para medir objetos da casa;
  • Brincadeiras e jogos: A brincadeira é essencial no processo de aprendizagem da criança, por meio dela que a criança explora as possibilidades, investiga, estabelece relações, desenvolve a autonomia e cria conceitos. Buscar propostas que fossem fáceis e que possibilitassem a interação e o envolvimento dos adultos nos momentos do brincar e de realizar as atividades. Por exemplo: adoleta, confecção da peteca com materiais recicláveis, acerte o alvo, aprender brincadeiras de outros países: Pilolo, de Gana e Mora, da Itália.
  • Culinária: conseguimos apresentar os números através de uma receita de bolo de milho.
  • Música: surge um desafio – como ampliar o repertório numérico das crianças e apresentar a sequência numérica até o 15? Em conjunto com a área de Linguagem, eu e a professora de Música, Juliana Lira, criamos duas músicas. Ela fez a base instrumental e soltou a voz, eu, a letra e a encenação. Um trabalho que mistura duas áreas do conhecimento. Quem diria que um dia conseguiria fazer algo assim?
  • Uso de ferramentas tecnológicas: na sala de aula, temos como apoio os números e isso é de extrema importância para o aprendizado das crianças. Então, agora temos o quadro numérico virtual – arquivo em que as crianças visualizam os números e escutam os respectivos sons de cada um. Esse quadro numérico será ampliado conforme os novos desafios matemáticos que virão. Ele fica disponível na aba Parede Virtual do roteiro de atividades do Pré I.
  • Jogos virtuais: para ampliar o repertório numérico, elaborei um jogo da memória virtual – as crianças clicam em duas cartas coloridas, observam os números, escutam os sons respectivos e descobrem se conseguiram encontrar dois números iguais.
  • Rodas de conversas: momentos de interação com a professora e os colegas da turma. Para as rodas voltadas à Matemática — definição de brincadeiras para realizar durante esses momentos que estejam conectadas com as atividades desenvolvidas via Roteiro, como o bingo, caça aos objetos a partir das quantidades ou números sorteados, encontre o objeto que falta.
  • Mural virtual: a partir das postagens feitas pelas famílias, conseguimos acompanhar as crianças nos momentos de brincar e realizar os desafios sugeridos.
  • Conteúdos: apresentar e explorar os temas por meio da interação, no brincar, explorar o espaço disponível, desenhar.

Novas possibilidades para as atividades surgiram, mas como apresentar as propostas para as crianças? Começam então, as gravações dos vídeos. Que desafio!

O vídeo acabou se tornando o contato direto com cada criança. Aquele momento em que além de apresentar a atividade da semana, posso conversar com eles. Isso mesmo, procuro falar e me colocar nas apresentações como eu faria em sala de aula, usar o mesmo tom na fala, os gestos e as expressões corporais. Algumas falas já são características, como: “Oi, Pré I!”; “Atenção, concentração e muita diversão!”.  Esse é um meio de manter o vínculo e o laço com as crianças, tentar mantê-las mais próximas do ambiente escolar e das experiências lá vivenciadas.

Começo cada vídeo com uma apreciação estética, uma mágica, música, história ou alguma surpresa inicial diferente. Toda semana mudo a estratégia de apresentação inicial. Assim, a ideia é chamar atenção da criança, despertar o interesse e incentivá-las para, em seguida, apresentar o conteúdo e as propostas a serem realizadas, bem como o passo a passo necessário para tais momentos.

Sempre que temos um jogo ou brincadeira nas aulas da semana, realizo a proposta em minha casa, com a minha família, para que as crianças percebam que podem fazer com as pessoas que estão ao seu lado e se divertir nesses momentos também.

Outro ponto importante é a interação da Matemática com as outras áreas de conhecimento. Conseguimos falar e aprender sobre gráficos e coletas de dados durante a roda de leitura, a partir da escolha dos alunos do livro preferido e que seria lido nesse momento. O resultado da votação foi apresentado por meio do gráfico, assim como suas características. Em Natureza e Sociedade, falamos das formas geométricas para construções das moradias. Em Educação Física, a Peteca fez parte das aulas para que pudéssemos explorar a quantificação e os números.

Diante de tudo que coloquei aqui, não posso deixar de enaltecer o caminhar em equipe. Todo o caminhar sozinho é mais difícil. O que seria de uma ideia sem a prática? O conjunto faz o todo e a equipe é força. Isso tem feito a diferença nesse momento.

Durante todo o processo, a parceria com a equipe da série, a partilha de sentimentos, criações e ajuda mútua sem pestanejar e se esquivar de qualquer situação foram fundamentais. Quando surge uma ideia, todas embarcam e participam ativamente do processo de criação e execução. O apoio da Coordenação de Segmento e da Coordenação de Área me ajudaram – e seguem dessa maneira – a encontrar caminhos seguros e a direcionar o olhar ao quê e ao como devemos seguir. A Orientação Educacional tem sido o suporte para acolher os alunos e pensar em estratégias individuais específicas. Todas as pessoas estão conectadas e unidas para desenvolver em conjunto, as estratégias necessárias ao momento delicado e a todos os parceiros de trabalho, de todas as áreas, que estão sempre dispostos a ajudar.

Registro essa troca porque o caminhar não é feito por um só. Ele é partilhado com o todo.     Seguimos!

Registro de alguns momentos: